quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A Torre Negra de King

*Sem spoilers, pode ler sem medo*




Stephen King diz ter concebido o que viria a ser o início da série A Torre Negra aos 19 anos. 19; o número-chave da série. E o número de vezes em que você provavelmente não vai conseguir dormir, porque além da angústia-regra que produz cada livro de King, esse, em especial, leva o nosso pensamento longe e podemos sentir que somos parte da companhia de Roland de Gilead, o último pistoleiro, rumo à lendária Torre Negra - eixo de todo tempo e espaço.

A história é ambientada numa espécie de mundo pós-apocaliptico, mas com claras influências medievais. Influência, aliás, é o que não falta nessa série e King não as nega. Na contra-capa da edição brasileira e no prólogo dos volumes da série podemos ler com todas as letras "baseado no poema ´Childe Roland à Torre Negra chegou´ e no universo de J.R.R.Tolkien". E não pára por aí. Temos referências à lenda de Rei Arthur, músicas dos Beatles tocando em pubs em bares duvidosos no meio do deserto, bandidos malvadões com máscaras de vilões da Marvel e referências mil à cultura contemporânea geral. Só mesmo alguém como King para ter a coragem de admitir que não bebeu da fonte, nadou na fonte, e com a água batizou seu novo mundo de Mundo Médio. Sugestivo, não?

Ah, mais que isso são as ligações que King faz com suas outras obras e com sua própria vida. A série A Torre Negra é uma miscelânia de lugares, personagens, fatos e ironias deliciosamente agudas; daquelas que fazem o leitor de outros livros do autor rirem de orelha a orelha. A série é realmente a grande obra de King, não por ter levado décadas para ser escrita, mas porque contém em seu universo todos os outros do autor.

O primeiro volume, O Pistoleiro, nos apresenta o herói (herói?) da história, Roland de Gilead, um personagem que poderia ter saído de um filme faroeste clássico. Roland está na cola do Homem de Preto (ah, isso não é um spoiler, é a primeira linha do livro rs), uma busca menor dentro da grande ambição de sua vida que é chegar à Torre Negra. O mundo de Roland está deteriorado a tal ponto que tempo e espaço já não são mais os mesmos. A salvação pode ser a Torre. O livro é bem imaturo e a escrita é estranha, algumas idéias não são bem conectadas; mas a história já começa a envolver. Vale a pena ter força de vontade e seguir até o primoroso fim. Não vão se arrepender.

Em A Escolha dos Três, o segundo volume da saga, Roland - um andarilho solitário por natureza - descobre que precisa trabalhar em grupo. E é aí que conhecemos Eddie Dean - um viciado em heroína da Nova York dos anos 80, Odetta/Detta/Susannah - uma esquizofrênica negra sem as duas pernas da Nova York dos anos 60 e Jake Chambers - um garoto de 12 anos (que já havia sido companheiro de Roland em outro mundo...) da Nova York dos anos 70. Juntos eles formam Ka-tet (um de muitos) e descobrem como suas vidas estão intimamente entrelaçadas com o caminho da Torre.

Terras Desvastadas, o terceiro volume, é simplesmente maravilhoso. Aí sim temos King em sua melhor forma e já bem mais maduro. Diferente dos outros volumes anteriores, esse é devorável e repleto de ação. Com sacadas bem inteligentes e personagens maravilhosamente descritos. Os conflitos são sensíveis e os vilões reais começam a dar as caras.

O quarto capítulo, Mago e Vidro, narra o passado do pistoleiro Roland de Gilead. Esse livro é arrepiante. A série volta à adolescência de Roland, à sua primeira missão numa cidadezinha chamada Mejis e à uma moça chamada Susan Delgado. Apesar de delongar demais em alguns detalhes e chegar a entediar, quando o circo pega fogo na história pega fogo mesmo. Os conflitos já não são mais internos; quando chegamos ao final do livro, é difícil saber quem está certo e quem está errado. Além disso, é um divisor de águas na série.

Lobos de Calla é cheio de respostas (mas de lambugem, vêm mais um milhão de perguntas). O ka-tet vai para a estranha cidade de Calla Bryn Sturgis e mais uma vez os conflitos internos se soprepõem aos externos. A trilha para a Torre começa a ser mapeada, mas como tudo mais em King, sempre falta alguém para ler o mapa. A aparição sensacional de um personagem de outro livro de King dá um sabor especial a essa história.

O sexto volume é intulado a Canção de Susannah. O desenvolvimento do volume inteiro dá-se no breve período de um dia. Surpreendente, chocante, eletrizante, aterrorizante, angustiante e mais um bocado de outros -ante por aí, o livro é surpresa atrás de surpresa do início ao fim e está repleto das sacadas das mais geniais. Vale a pena ler a série inteira só pra chegar nesse ponto da história.

A Torre Negra é o volume que encerra a série, mas eu ainda não li. O motivo direto é porque ainda não tive tempo (leia-se dinheiro); e o indireto é porque quero saborear ainda mais um pouquinho essa série. Confesso que me surpreendi muito, muito mesmo, com esses livros. Não que duvidasse da capacidade do ´Tio Stevie´ de criar boas histórias, mas porque há uma filosofia bem composta e cadência de idéias impressionantes nesse novo universo. Ao mesmo tempo que é atual com suas incontáveis referências ao "nosso mundo", a ´Torre Negra´ retoma o sabor das narrativas fantásticas clássicas, do mundo do extraordinário. E essa mistura do contemporâneo com o fantástico é que dá o toque especial.

A ´Torre Negra´ é o eixo do tempo-espaço, mas também é o eixo central da obra de King; e porque não dizer eixo de todas as narrativas de fantasia e do pensamento do mundo contemporâneo? Oras, como diria Jake Chambers, há outros mundos além desse.

E essa série de King, como um desses mundos, vale a pena ser lida.



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