quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Sobre contar histórias

Dizem que Gabriel García Marquez é o último contador de histórias de verdade. Por mais que eu admire García Marquez, acho o título injusto. Existem excelentes contadores de histórias por aí. Porque contador de histórias não precisa ser regional, usar palavras inventadas, jogar com jargões seletos; contador de histórias precisa saber contar, tirar o fôlego, fazer o leitor passar pelas emoções descritas. O velho truque de Sherezade, é disso que é feito um contador de histórias. García Marquez é um deles, não há dúvida, mas ainda existem muitos outros por aí, escondidos ou não, assumidos ou não.

Ainda usando García Marquez como exemplo, dizem que ele resolveu escrever quando leu a primeira linha de Metamorfose, de Kafka. Eu nunca li Metamorfose - não vou fazer fita fingindo que li -, mas acredito que deve conter algo muito forte para despertar um contador de histórias como García Marquez. Eu acredito nessa coisa de ser desperto, sabe, apesar de eu mesma não me lembrar do que me fez ter vontade de escrever. Sempre gostei dessa coisa de inventar, anotar num caderno um monte de histórias malucas e entediar minha irmã com elas depois. Eu lembro que brincava com as outras meninas da rua e elas brigavam comigo porque eu inventava "sempre uma história diferente, por que não continuar com a da última vez?". As pessoas têm caminhos a escolher na vida e um deles leva ao que você é de verdade, à sua missão. O García Marquez encontrou a dele, que é ser contador de histórias - contador de histórias, o que é diferente de ser apenas um escritor - e a coisa deu tão certo que ele ganhou até o prêmio Nobel.

Algumas histórias precisam ser escritas, outras precisam ser contadas. As histórias contadas têm vida própria, elas ultrapassam o papel. Confuso? É, talvez um pouco, vou tentar colocar as coisas em ordem então... - bem, definitivamente, essas discussões do que é cânone e do que não é fermentam na cabeça da gente, né?.

Antigamente eu pensava que se fosse para escrever uma porcaria de um "romance de banca", era melhor não escrever nada. Hoje já não acho que é bem assim que a coisa funciona. Para contar uma história, não importa se ela é um épico, um romance água-com-açúcar, um poema, uma fanfic, um quadrinho... não importa! O formato, o conteúdo, isso não importa. Não importa também se é material para best-seller, para prêmio Nobel, para blog de internet, para a cabeceira de gurias de 13 anos... não importa! O que importa mesmo é quem conta a história. Tá, eu sei que a maioria dos teóricos rejeita - e possivelmente sofre um ataque cardíaco depois - essa idéia, mas é a verdade. Okay, o leitor também é importante, obviamente, mas o contador de histórias (que pode ser um escritor ou não) é como um balanço que leva a história até as outras pessoas. É a corrente que liga. Um contador de histórias precisa ter um coração sincero. E isso quer dizer que ele não deve se importar se vai ser cânone ou não, se vai soar bonito ou não, o contador de histórias verdadeiro consegue captar o que a história precisa e dar a ela a forma que ela pediu. Isso é saber contar histórias. Não é enquadrar a história no formato X, é deixar a história dizer que formato é. Por isso que um contador de histórias precisa ter um bom ouvido além da habilidade com as palavras...

Stephen King (um contador de histórias da cidade) disse que sabe que suas histórias não são perfeitas e que nenhuma ficção o é (as histórias, assim como os homens, são humanas porque têm de passar por humanos para ter voz. Não é possível que sejam perfeitas pois a perfeição está além da nossa compreensão e percepção das coisas), mas disse que quando contava a trama de Roland de Gilead e seus companheiros em A Torre Negra conseguia cheirar a poeira e sentir o ranger do couro. É por isso que eu disse que Stephen King é um contador de histórias. Se você escreve e consegue fazer suas palavras saírem do papel, se consegue sentir o que seus personagens sentem, se suas mãos tremem, se sua respiração altera a cada passo, se você também cheira a poeira e sente o ranger do couro, então pode descansar em paz. Seu trabalho está mais que bem feito.

Alguém gostar ou não, é só efeito colateral.


Você diz a verdade, e eu digo obrigado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Entrei por curiosidade ao ver a janelinha do msn com o link de mensagem pessoal.
Não me decepcionei com o que li.
Dei uma fuçada em tudo!
e esse post é definitvamente você!
Nossa!
concordo com muita coisa que escreveu e,pra ser sincera,eu também não sei quando me deu uma coisa de que eu deveria escrever algo.SInceramnete não sei,mas foi realmente algo que me acrescentou.
Enfim,adorei o blog melzinha!
mande notícias!
beijo

Buenossauro disse...

opa.

Interessante a argumentação e tal, sempre gosto de quando você - ou qualquer pessoa - dá uma alfinetada nos críticos babacas. Essa foi bem feita.

Exceto por ter colocado o Stephen King no meio. Digo, tá, tudo bem, mas tem uma coisa que li dele (no livro 1 da Torre Negra, "The Gunslinger", não sei como foi traduzido) que me decepcionou muito. Dizia algo sobre serem fajutos os escritores que fazem anotações para depois desenvolverem sua história - segnudo King, tudo tem que vir de um sopro; uma história morre quando morre na cabeça do escritor. Não gostei principalmente porque acho que os modos de produção literária são muito subjetivos e têm que ser respeitados. Sempre.

Mas isso não vem ao caso. Só que pensando um pouco sobre essa afirmação, vemos o que seria o cheiro da poeira e o ranger do couro - entrar na história para que ela saia do papel. Mas tem algo mais na escrita de um romance, no contar de uma história. É como se fosse um outro patamar. Parece papo de crítico chato, né? Mas muitas vezes o cheiro da poeira não alcança o coração da gente.

Certo, eu acho que é mais uma implicância minha com Stephen King, por mais que tenha gostado de "The Gunslinger". Mas tem alguma coisa - que encontramos inclusive em Harry Potter, nos primeiros livros da série - que falta. Talvez eu esteja precisando ler mais alguma coisa dele.

Mas depois, se você quiser, te empresto "Music of Chance", do Paul Auster. É um bom exemplo.

Ademais, é bacana ler o que tem aqui. São textos 'grandes' que não dão preguiça, e isso é muito, muito válido. =]

Abraço!